O Templo de Shaolin

Livro: O Inesquecível Bruce Lee

OBS:

A produção deste site, tem autorização do Professor Doutor, José Augusto Maciel Torres, para publicar matérias de autoria dele, e o conteúdo do livro.

Um Templo Budista na montanha de Soong Shan, na província de Honan, que teve sua fundação nos primórdios da Era Cristã e por ter participado, direta ou indiretamente, das histórias envolvendo artes marciais, políticas e religiosidade na China, tornou-se famoso e admirado mundialmente. Quem trouxe para o Ocidente o Templo de Shaolin foi o seriado de TV intitulado Kung Fu, cujo ator principal era David Carradine, levando aos lares ocidentais uma nova visão da marcialidade e religiosidade de um país milenar: a China. Templo de Shaolin significa o Templo da Jovem Floresta ou Monastério do Pequeno Bosque. Tudo que se refere à marcialidade chinesa dentro dos aspectos espirituais tem uma ampla relação com este templo, sendo impossível se falar de artes marciais chinesas sem tocar no nome
de Shaolin. Os mais de trezentos estilos de Kung Fu existentes na China em sua maioria tiveram ligações com este templo. O treinamento em Shaolin era bastante rigoroso e sistemático. O termo usado para as artes de lutas neste templo era Shaolin Chua, que ao traduzirmos temos Artes dos Punhos da Jovem Floresta. Este estilo inicial em Shaolin gerou muitas outras escolas marciais. O termo Jovem Floresta, se deu graças ao fato de os monges neste templo plantarem um bosque com várias árvores frutíferas e algumas plantas. O primeiro templo Shaolin foi construído por volta de 450 d.C., em
face de que neste período histórico da China, várias pessoas se convertem
à religião de Buda, que tinha pouco tempo que chegara da Índia, país onde
se originara. Estes excessos de conversões ao budismo não eram em sua maioria pelo povo ter fé ou mesmo procurar paz e harmonia espiritual, o que realmente os chineses queriam era se ver livres das perseguições e sofrimentos impostos pelos imperadores, pois segundo as leis, daquela época, da China, todos estavam ligados aos desejos do Imperador, podendo este fazer o que quisesse com o seu povo. Porém, ao se converter ao budismo, os chineses deixavam de ser parte do Império Chinês e passavam
a ser integrantes da espiritualidade, desvinculando-se imediatamente do Imperador, devendo daí então respeito somente às leis de Buda e à espiritualidade. Como o povo estava sofrido e amargurado, a única solução era a conversão em massa a religiosidade budista, livrando-se então das barbaridades cometidas pelos soberanos, que eram verdadeiros tiranos. Dentro desta visão a ordem monástica de Shaolin rapidamente possibilitava o refúgio espiritual. Com o desenvolvimento da ordem, outros templos Shaolin foram surgindo, entre outros o de Honan da província de Fukien, que teve sua fundação feita por um monge chamado Tashin Sheng. Segundo os historiadores chineses, houve cinco templos Shaolin. Porém, quando se estuda história da China, tem-se uma variedade de teorias e conceitos variantes de autor para autor. Tal fato se dá pelos múltiplos e variados escritos chineses que afirmam cada um, uma coisa diferente, e o pior é que o idioma chinês é interpretado de varias maneiras pelos entendidos. Daí as localizações destes templos divergirem de autor para autor. Uns dizem que estes cinco templos se localizavam nos seguintes lugares: Honan, Funkien, Wotang, Oweishan e Kwantung. Outros afirmam que as localizações corretas são: Honan, Fukien, Ngor Mee, Wu Tang e Kwang Tung. Graças a Deus, ou melhor, ao “Bom Buda”, que estes pesquisadores concordam pelo menos em que Honan e Fukien fazem parte da localização exata dos templos Shaolin. Conforme podemos observar nesta caminhada histórica, nos momentos iniciais do budismo e dos templos Shaolin na China, estes somente objetivavam a espiritualidade. Alguns historiadores afirmam que nos mesmos, precariamente, já existiam princípios de marcialidade entre estes monges budistas. Mas sinceramente, acho um pouco difícil. Porém fica-nos quase impossível precisar tal fato, devido à falta de dados históricos com exatidão em relação a isto. O que se sabe de concreto é que as artes marciais surgem de fato, no templo de Shaolin, por volta de 520 d.C., graças ao pioneiro de Bodhidharma, que foi o 28º patriarca do budismo, sendo este também conhecido pelos nomes de Ta Mo, em chinês, e Daruma Taishi, em japonês. Bodhidharma era filho do rei Sughanda; este pertencia à casta dos guerreiros (Kshastriya). Por isso, apesar de ter convertido ao budismo muito cedo, o Príncipe Bodhidharma mantinha aliado aos seus estudos religiosos um esquema muito severo de treinamento marcial, tendo este princípio sido doutrinado nas artes de lutas pelo famoso mestre marcial indiano Prajntara, que pouco a pouco foi se afeiçoando a Bodhidharma e lhe passou todos os princípios da marcialidade dentro de uma visão interna e externa, transformando-o em um guerreiro muito poderoso. Possuidor de uma consciência espiritual bastante apurada, graças aos ensinamentos budistas que o espiritualizaram. Bodhidharma, ainda na Índia, em seus estudos vivenciais, começou a perceber que a meditação era a base para evolução espiritual e que de nada adiantaria a técnica marcial sem a espiritualidade. Porém, se aliadas, a marcialidade e a espiritualidade seriam uma “porta aberta’ para outros níveis de evolução humana. A parte física vai se desgastando ao avanço da idade no homem, mas se esta for aliada aos princípios da espiritualidade com raízes na meditação, poderão condicionar o homem ao pleno equilíbrio consigo mesmo e com o universo que o cerca. Desde então Bodhidharma pôde perceber que nada poderia ser feito individualmente e sim conjuntamente. Observando o processo humano através da plena harmonia cósmica. Cada ser vivo é um pedaço do universo e ao ser “morto” ou “ameaçado”, representará uma agressão para todos. Um inseto ao ser eliminado condicionará para que o universo seja atingido. Portanto, jamais ataquemos ou ofendemos algum ser vivo, porque isto representa uma agressão ao cosmo e conseqüentemente a nós mesmos. Uma vida tirana representa um ataque a nós mesmos, possibilitando-nos uma vitória que vai além dos níveis psicossomáticos. As lutas passam a ser uma maneira para dominar o interior do homem, levando-o a ter o pleno controle das suas fobias. A defesa pessoal contida na marcialidade passa a servir para a auto-defesa física, como último recurso, ou ainda para defender os mais fracos das opressões dos mais fortes. Algo que o budismo defendia era a igualdade dos direitos humanos, segundo a qual o forte jamais deveria agredir o
fraco, aproveitando-se da sua superioridade física. Bodhidharma nesta época tinha uma missão que era difundir o budismo original no máximo de locais possíveis, pois, em vários países próximo à Índia, o budismo se desenvolvia, mas de uma maneira errada. Baseava-se na salvação pela fé e na especulação metafísica. Um dos países onde existia um forte desvio do budismo verdadeiro era a
China. Bodhidharma, com isso, foi até a China para pregar a realidade budista como deveria ser. Indo andando até o território chinês, o patriarca budista se dirigiu até a corte do Imperador Liang Wu Ti, que era um grande tirano para o seu povo. Ao chegar ao domínio do imperador Liang, o Patriarca Bodhidharma entrou em choque com este soberano pelo simples fato deste, além de tirano, seguir uma linha falaciosa do budismo, em que as bases de salvacionista eram cercadas por rituais. O certo, segundo Bodhidharma, era exatamente o contrário da essência budista que usava a meditação para se ter a interiorização e o auto-conhecimento. Aos poucos, Bodhidharma se desentendeu com este soberano, por motivos óbvios, é claro! O patriarca budista se refugiou durante longos anos no mosteiro de Shaolin, o primeiro que localiza-se ao norte da montanha de Soonh Chan, evitando assim que o imperador o matasse. Ao ter acesso a este templo, o patriarca Bodhidharma ficou em meditação durante nove anos, chegando a uma total harmonia com o seu interior como um indivíduo senhor do auto-conhecimento, segundo o qual a supremacia para se chegar à verdadeira iluminação está no saber meditar. Existem diversas lendas sobre a figura deste patriarca, principalmente porque os chineses da antiguidade, e assim são todos os povos mundiais, centravam seus valores em concepções místicas e oriundas em lendas. Deste momento em diante, o patriarca resolveu hiper-valorizar a meditação e criou alguns novos conceitos para os pensamentos budistas, denominando-os de Dhyanna, que em sânscrito significa Meditação. Porém, para os chineses ficou conhecido pelo nome de Chan, tendo posteriormente ido para o Japão com a denominação Zen e para a Coréia como Sun. Essa técnica meditativa passou pouco a pouco a fazer com que várias pessoas fossem até o templo de Shaolin e lá aprendessem os métodos Chan, passando avante estas novas concepções da meditação. O Chan, que em japonês, como já relatamos, é chamado de Zen, evoluiu juntamente com as demais artes do Oriente. No Japão o Zen teve uma grande participação social e filosófica, evoluindo à medida que a cultura nipônica assim também o foi. Muito da cultura japonesa tem enraizamento no Zen. Entre outras citamos a cerimônia do chá, ikebana, bonsai, muitas artes marciais etc. Além destas manifestações, toda a marcialidade tem relação, direta ou indireta, com o Zen, inclusive a criação do Bushido. Também o código de honra dos samurai
tem ampla relação com esta arte metafísica tradicional, eraizando-se de forma semelhante, como foi na China e no Japão, com as artes marciais coreanas, tais como o Taekwondo, Hapkido etc. Os treinamentos do templo de Shaolin eram de uma severidade enorme, transformando o monge em uma verdadeira arma, levando-o a ter pleno conhecimento da marcialidade e mantendo o completodomínio da mente sobre o corpo. Neste templo os monges meditavam diariamente das quatro da manha às vinte e duas horas. Faziam somente breves interrupções para comer, beber, defecar e urinar, e poder fazer algumas atividades comuns a todos dentro do templo. Isto era por poucas horas, voltando-se imediatamente para a prática meditativa. Haviam casos de monges que desmaiavam e até mesmo morriam durante a meditação pelo tamanho da severidade exigida. Percebendo que os monges precisavam de uma atividade física para complementar a ociosidade resultante das longas meditações, o patriarca Bodhidharma começou a ensinar movimentos de luta a eles, objetivando dar-lhes maior desenvolvimento somático. As artes marciais inicialmente eram ensinadas pelo patriarca no templo de Shaolin para alguns poucos escolhidos e tinham muitas vantagens, entre estas a de servir como meio de defesa pessoal para o uso
contra bandidos nas longas e solitárias caminhadas que os monges tinham de fazer por toda China, pregando as doutrinas religiosas. O patriarca procurava mostrar que tanto a marcialidade como a meditação tinham essenciais méritos para a evolução do ser humano. Alguns pesquisadores afirmam que a arte marcial que os monges budistas inicialmente treinavam eram o Vajramushiti (Vajra-real, Mushiti-soco). Esta era uma arte marcial indiana, que hoje, pelo menos na Índia, é extinta. As afirmações do treino do Vajramushti pelos monges budistas são feitas por estudiosos de renome, entre eles o escritor
e mestre marcial Marco Natali, que escreveu o livro Vajramushiti, editado pela Editora Edições de Ouro (Tecnoprint). Devido à dificuldade da pronúncia do sânscrito, que é uma língua morta indiana, os chineses
fizeram mudanças nos diversos nomes relacionados ao budismo, colocando termos chineses. Por isso, segundo alguns pesquisadores de renome, o termo Vajramushiti passou a ser denominado em chinês dentro do templo de Shaolin com o nome de Lo Han e posteriormente Nalo Jan, Arohan e I Jinsin. Durante a dinastia Ming, muitas coisas novas aconteceram na China. Uma delas foi que o monge Kwouk YueN andou por toda a China e depois de pesquisar todos os estilos de Kung Fu existentes na época,
levou-os para dentro do templo Shaolin, adaptando-os às marcialidades lá treinadas e conhecidas, havendo dentro do templo um aprimoramento técnico destas marcialidades vindas de fora e aperfeiçoadas cada vez mais dentro das perícias marciais. Daí surgiram cinco estilos em Shaolin assim denominados: tigre, grou, leopardo, serpente e dragão. Também nesta dinastia Ming os Manchu invadiram a China, obrigando muitos oficiais chineses a fugirem, e para não serem mortos se refugiarem no templo de Shaolin, dado ao fato deste ter uma localização privilegiada e de ser impenetrável. Devido às suas dimensões, o território do templo Shaolin era considerado neutro politicamente, ou seja, não tinha nenhuma ligação política e com isso os Manchu não poderiam invadir, pois afinal das contas as terras do templo Shaolin eram divinas e tinham cunho espiritual. Os oficiais chineses e os monges budistas dos templos de Shaolin passaram a ensinar secretamente ao povo uma arte marcial denominada
Kung Fu Shaolin, possibilitando a defesa deste povo das atrocidades dos Manchu. O respeito pelo estilo Kung Fu Shaolin tomou dimensão tamanha que passaram a ser apresentados nas demonstrações públicas
desde templo de Shaolin, nas comemorações do ano novo, sempre aliados à dança do Leão. O monge Kwok Yuen foi outro famoso influenciador da marcialidade chinesa no templo Shaolin. Este monge nasceu na província de Yen Chou e teve um aprendizado dos princípios marciais Shaolin com o mestre Hung Yun. Passando os movimentos marciais Shaolin a ter setenta e duas séries de técnicas marciais. Porém, insatisfeito com o que aprendera, o monge Kowk passou a pesquisar por toda a China os diversos estilos marciais objetivando um aprofundamento belicista e de eficiência na defesa pessoal. Obtendo, de cada mestre que encontrava durante sua peregrinação pelo território chinês, alguns fundamentos da
marcialidade, acoplando-os aos já conhecidos. Durante sua longa caminhada, o monge Kowk se tornou muito amigo de um mestre chamado Li Cheng, habitante da cidade de Lanchow. Após o aprendizado com este mestre, o monge Kowk aumentou seus movimentos marciais originais de setenta e duas para cento e setenta e duas formas que em chinês são denominadas de Tchia Dsu, divididas em cinco grupos diferenciados, estas formas posteriormente foram denominadas em japonês de kata e em coreano de kihon, existindo uma caracterização destas formas (Tchia Dsu) para cada grupo que tinha o nome de um certo animal. Assim, as formas do dragão eram usadas para manter o pleno estado de alerta e a evolução espiritual. Os movimentos eram feitos sem muito uso da força, preocupando-se com a respiração correta, com movimentos longos, fluentes e continuados, pondo sempre a direção respiratória para baixo do abdômen. Existe uma centralização da energia Chi em todos os setores do corpo humano e da mente, buscando sempre a harmonia com o cosmo. Já as formas relacionadas ao tigre eram voltadas para desenvolver e ter o fortalecimento dos ossos, músculos e tendões, buscando movimentações curtas e bruscas e baseando no pleno fortalecimento do corpo humano. Isso visa dar ao praticante certas evoluções somáticas que o fariam detentor de um físico bem preparado para o combate nas guerras. Quem praticava as formas relacionadas ao leopardo objetivava o pleno controle da força, usando para tanto movimentos rápidos com bastante inteligência e precisão. Porém quem fazia o estilo serpente tinha um melhor desenvolvimento da energia vital (Chi), preferindo nos combates o uso de golpes feitos com as pontas dos dedos, cultivando uma respiração mais pausada com lentidão; buscando profundidade e
consciência cósmica. Por fim, quem preferia os movimentos do grou, tinha como finalidade o encontro do autocontrole e domínio interior. Os manchu pouco a pouco começaram a perceber que as penetrações
dos oficiais chineses nos templos de Shaolin eram uma forma política e não religiosa de se ver livre das batalhas com eles. Daí deixaram o respeito religioso de lado e tentaram de várias formas invadir o templo
de Shaolin, sendo que sempre se davam mal, pois o esquema de entrada no templo era quase impossível. Primeiro por existirem paredes muito fortes e altas, e segundo por se ter um esquema de segurança, feito pelos próprios monges, de alto nível, afinal os monges eram peritos em artes marciais. Um outro detalhe importante era que os monges eram muito sábios e tinham uma auto-produção nos templos que os permitia ter alimentos durante muitos anos, visto que existiam enormes plantações de alimentos dentro dos templos, permitindo-os o luxo de não precisarem sair dos templos durante muitos anos. Os governantes manchu, sabedores da impossibilidade de penetração no templo Shaolin, resolveram subornar um monge para poder através deste conseguir a entrada dos guerreiros manchu no templo Shaolin. Este monge traidor, que se chamava Ma Ning Yee, recebeu como pagamento uma grande quantia em dinheiro e um cargo político de relevância no governo manchu. Esta traição foi tramada com o apoio de três generais Manchus que foram: Chan Man Yu, Cheung Ching Chow e Wong Chun May. O monge traidor colocou veneno nas águas do templo e o incendiou (1733 d.C.). Enquanto o templo pegava fogo, o mesmo monge traidor abriu as portas para os guerreiros manchu que em pouco tempo dominaram o templo e mataram a maioria dos monges existentes lá dentro. Somente cinco mestres e quinze discípulos conseguiram fugir da destruição do templo. Alguns poucos mestres conseguiram fugir e sobreviver ao massacre de momento. Em relação aos discípulos, somente seis tiveram destaque na história social chinesa: Hung Hee Kung e Luk Ah Choy, criadores de estilo Hung Kuen, posteriormente tornando-sem famosos com o nome de Hung Gar; Fong Sai Yuk, responsável pela criação do estilo baseado nos movimentos dos cinco animais do estilo Shaolin; Tse Ah Fook Weng Chun e Tsung Chin Kum, que se tornaram lendas vivas do folclore chinês, graças às suas perícias em combates corporais. Muitos relatos históricos sobre o templo de Shaolin e os de seus monges ficaram perdidos no templo devido à falta de escritos daquela época. Mas, muita coisa se sabe por meio da história oral e por alguns poucos escritos que existem sobre a história da China naqueles períodos. A marcialidade chinesa deve muito a esses templos e respectivos monges budistas. “O Livro Da Transformação Muscular”, que em chinês é I Chin Ching, que teve somente um volume, dos dois escritos, que sobreviveu ao tempo, nos relata a série de exercícios dos monges de Shaolin. Sendo estes denominados em chinês de Shih Pa Lo Han Sho, que literalmente traduzido significa: As Doze Mãos de Lo Han. A essência da filosofia chinesa do passado teve raízes no templo de Shaolin. Para se tornar discípulo no templo de Shaolin, inicialmente era necessário se ter uma relação rigorosa desde os primeiros momentos. As crianças, para serem admitidas no templo, deviam ser levadas por seus pais até a porta do mesmo, nos primeiros dias da primavera, período de chuva. Deveriam ficar na porta do templo esperando que o mesmo fosse aberto pelos monges para assim poderem entrar. A idade destas crianças variava entre sete e 12 anos; sendo que os monges de Shaolin levavam dias para abrirem os portões do templo, obrigando-as a ficarem na chuva e ao desejo dos ventos e friamentos durante um bom tempo. Desde aquele momento inicial, as crianças já eram selecionadas,
pois as que ficavam, eram poucas, e deveriam ser aceitas para o templo de Shaolin. As demais, nunca. Estas outras, por fugirem das primeiras dificuldades, jamais agüentariam os rigorosos treinamentos do templo de Shaolin; as crianças selecionadas, e que tinham permissão para entrar no templo, passavam por várias outras etapas eliminatórias. Após a entrada as crianças eram levadas até um pátio interno e seguiram até uma grande mesa onde se encontrava um velho monge budista. Ao terem permissão para sentar à mesa, estas crianças eram rigorosamente analisadas em suas maneiras educacionais de comportamento, a elas não era permitido pedir comida. As que assim agiam, recebiam os alimentos e,
após comer, eram dispensadas, pois consistia falta de educação solicitar alimento. As boas maneiras determinavam que se deveria esperar o desejo dos monges em as servir. Depois de algum tempo era dado às crianças que não tinham sido dispensadas (neste período existiam poucas crianças) uma tigela sem o fundo e uma grande bolacha seca, que era do tamanho do fundo da tigela, e depois era servido o chá. Para se agir corretamente, era necessário que a tigela tivesse o fundo forrado com a bolacha seca e achatada para daí beber o chá. As crianças que faziam isso corretamente eram aceitas e as demais, dispensadas, porque não tinham, segundo os conceitos do templo, condições intelectuais para ter o aprendizado no templo. Tinha outro detalhe importante ainda nestes momentos iniciais da seleção dos
futuros monges. As crianças que inteligentemente pegassem as bolachas e as colocassem para tomar o chá deviam esperar para que o monge idoso que estava à mesa bebesse o seu chá e as autorizasse a beber também. Isto porque o respeito aos mais velhos era uma obrigatoriedade para quem pretendia ser um monge Shaolin. O teste não tinha acabado ainda. Após esta etapa, vinha a fase do
teste de paciência e humildade, que era feito de seguinte maneira: davase uma vassoura para a criança e deixava-a alguns dias, ou até meses, varrendo os mesmos lugares, sempre devendo cumprir as ordens sem questionar. Não era somente varrer que as crianças tinham que fazer. Elas eram colocadas para fazer tarefas de limpeza geral, desde a cozinha aos sanitários. Havendo ainda contar antes humilhações com estes, obrigando-os a estarem sempre com humildade e senhores da sua paciência. Independente destas múltiplas tarefas, as crianças tinham que estudar as doutrinas religiosas budistas ensinadas no templo e seguir os diversos rituais lá existentes. O comum era dormir pouco e trabalhar muito. O tempo e espaço (que segundo o budismo não passam de pura maya, ou seja, ilusão) deveriam ser esquecidos. Daí, quanto mais tempos houvesse de dedicação aos estudos budistas, melhor seriam, pois os anos são ilusões e nada mais. Portanto, os candidatos a monges (neofitos) deveriam não ter ligação com o tempo, esquecendo se era dia ou se era noite, se estas, no templo, faziam o tempo; esquecendo um dia ou um ano. Pouco importava. O tempo e o espaço não existiam. O existente era somente as séries de dedicações à religiosidade budista e o preparatório para o auto-conhecimento através da meditação. Com todas estas humilhações e mais algumas “coisinhas”, as crianças, apesar de morarem no templo, ainda não eram consideradas estudiosas budistas. Para realmente serem aceitas como reais discípulos de Shaolin, tinham como última etapa o início do treinamento do Kung Fu. Aí teriam que ter muita perseverância, pois inicialmente elas eram meros sacos de pancadas dos monges mais velhos, tomando uma série de surras diárias. Porém, se conseguissem sair pelo menos vivas desta fase, era então aceitas como disipulas; passavam a mudar as cores das vestimentas e ter um tratamento melhor, como dormir nos dormitórios e ter mais mordomias. As tarefas humilhantes então eram deixadas para os futuros candidatos,
tendo desde então um estudo mais profundo sobre as doutrinas budistas e conseqüentemente o aumento do número de meditações diárias. As demais etapas posteriores até a obtenção das vestes amarelas não eram fáceis, pois existiam uma multiplicidade de testes marciais e artísticos, que passavam pelos conhecimentos da caligrafia à poesia, bem como os testes de conhecimentos da doutrina religiosa budista e das terapias orientais (massagem, moxaterapia, acupuntura etc). Independentes disto, os monges tinham que saber cozinhar, plantar e colher, falar, escrever e ler em vários idiomas, inclusive o sânscrito (língua inicial do Budismo). O monge tinha que possuir um ecletismo intelectual
bem amplo, que incluía desde política a educação religiosa. para que ao manter contato com o povo em geral, pudesse agir não somente como líder espiritual, mas como conselheiro para os diversos problemas sociais existentes em cada local. Poderíamos afirmar que o verdadeiro monge Shaolin deveria “pensar como sábio e agir como um homem simples”, pois, apesar de todos estes conhecimentos, a conservação da humildade e boas maneiras ao lidar com as pessoas de níveis inferiores eram de suma importância. O templo de Shaolin não era somente uma escola marcial, era uma escola para vida espiritual, onde a marcialidade era “carro-chefe” da condução para níveis mais elevados da consciência humana. A beligerância e a corpolatria eram mal-vistas pelos monges de Shaolin. Para eles, o fundamental era a evolução do espírito que passava por uma enormidade de detalhes, que somente com os anos é que brotariam de dentro de cada um, levando os seres humanos a perceberem que não era preciso se ter somente o domínio físico, pois isto era somente um pedaço para se atingir determinados conhecimentos essências para existência humana. Uma condição primordiail para ser um monge Shaolin era o conhecimento da ciência terapêutica tradicional, na qual a acupuntura, a tui-nah (massagem chinesa) e os usos das ervas medicinais eram usadas para a profilaxia e o tratamento integral. Os monges, em
suas andanças pela China junto ao povo, tinham que ter condições de em qualquer lugar arrumar ervas para poder tratar os necessitados, bem como, se fosse necessário, recorrerem às técnicas marciais para a defesa do povo em geral. Muitos historiadores nos relatam que os monges usavam muito as massagem como terapia, evitando sempre o uso da acupuntura, pelo fato desta técnica requerer o uso de agulhas, que eram muito caras na época. Por ter votos de pobreza e por lidar com muitos pessoas pobres, os monges faziam massagens nos mesmos pontos da acupuntura, gerando assim energização e harmonia do homem com o universo, proporcionando-lhe saúde psicobioenergética. Dentro do templo de Shaolin as exigências marciais eram tão fortes como as de espiritualidade. As etapas para se chegar ao reconhecimento marcial como monge de Shaolin dentro do templo, e passar a ser um verdadeiro conhecedor dos princípios que regem as lutas, eram muito severas. Após longos anos de treinamentos marciais, o monge deveria lutar e vencer os cinco lutadores dos estilos de Shaolin. Derrotando-os, o
aspirante poderia solicitar a prova do “Corredor da Morte”, que consistia em passar por um local onde existia cento e oito bonecos de madeira que eram devidamente preparados e objetivavam derrotar qualquer ser humano que por ali tentasse passar. O esquema se resumia da seguinte
maneira: a cada boneco que era derrotado, imediatamente outros surgiam, obrigando o lutador a ter uma perícia marcial muito apurada, além de possuir um domínio interior maior ainda, pois teria que ter muita
concentração e percepção a cada novo passo que dava. Após passar pelo Corredor da Morte, o monge deveria abrir a porta de saída deste corredor. Porém, somente existia um meio de fazer: era erguendo uma pesada urna. Ao fazer isso, imediatamente a porta abriria, obrigando o monge a carregar esta urna com os antebraços e com isso deixar as marcas dos animais representativos dos estilos dos Shaolin. Esta urna era quentíssima e, portanto, como o monge tinha que carregá-la com os antebraços, acabava obrigando-o a ter as marcas dos animais que iriam lhe caracterizar pelo resto da vida. Se pararmos para analisar friamente, era impossível apenas com desenvolvimento físico e técnico marcial se passar por essas etapas finais do templo de Shaolin, pois os monges precisavam ter toda uma preparação que ia além do que poderíamos tentar explicar pela nossa “medíocre” filosofia ou ciência. A cultura ocidental nos ensina que o significado da palavra filosofia é: “amigo da sabedoria”. Mas esta sabedoria, à qual nos referimos no ocidente, se resume a somente raciocinar e, as referências de vivenciar por meio físico, mentais e espirituais durante a história Ocidental são paupérrimas. O que denomina filosofia no Ocidental, surgiu na Grécia antiga.Porém, na idade média, tudo foi “trevas”, pois o homem viveu o Teocentrismo, cuja representação maior do pensar se resumia em “pedirlicença a Deus”, ou melhor, aos seus “representantes” na terra, que eram o clero cristão católico, senhor de um poder social muito grande
que o tornava forte politica e economicamente. Já na Idade Moderna, o homem separa a fé da razão, centrando o seu pensamento nele mesmo. Surgiu o antropocentrismo, que gerou o nascimento do Cartesianismo, cuja máxima “Penso, logo existo!”, era a base da racionalização naquele período, possibilitando ainda nesta fase da história a ciência se separar da filosofia. Neste momento, o conhecimento científico toma o seu caminho com métodos e objetos de estudos definidos. Porém, na
idade Contemporânea, surgida a partir da revolução francesa em 1789, nós, homens, nos encontramos no teocentrismo, ou seja, as máquinas definido o pensar humano. Nesta breve caminhada histórica Ocidental, relatada, podemos observar o quanto a religiosidade cristã nos influenciou e nos marcou, bem como na China e em boa parte do Oriente o Budismo assim o fez. Mas, as práticas e filosofias budistas dos Shaolin se fundamentavam nas atividades físicas, não desprezando a parte mental e espiritual, enquanto nossos conceitos cristãos sempre foram voltados para a mente e o espírito somente. A parte somática sempre ficou em segundo plano e muitas das vezes em plano nenhum, tal como a nossa filosofia que tem uma essência e fundamentação mental. Logicamente, estes princípios filosóficos nos levam a perceber determinados valores marciais de outra maneira, permitindo-nos separar o marcial do filosófico, pois a marcialidade somente representa a parte bélica e esportiva, devendo quem praticar artes marciais se preocupar muito mais com a técnica do que com as fundamentações filosóficas. Estes são os conceitos errôneos que, infelizmente, nós ocidentais temos. E o pior é que pela influência americana, também estão se tornando pensadores desta maneira os orientais modernos. São supervalorizados
o esporte e as lutas exteriorizadoras, baseadas simplesmente nas técnicas somáticas. Isto é muito medíocre, pois a verdadeira técnica vem de dentro de cada um de nós. Surgindo, é claro, por etapas da evolução humana que passa pelo treinamento e condicionamento físico. Mas isto
não é tudo, é somente o começo de algo que se for bem trabalhado possibilitará uma evolução do homem em semelhança com os monges Shaolin, que conseguiram acoplar mente, corpo e espírito no avanço marcial, pondo-nos como “senhores” de elementos sutis inexplicáveis pelos nossos paupérrimos conceitos cartesianos e positivistas.

Esporte é vida!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *